24 March 2015

Couto Misto

Bandeira e mapa do Couto Misto
O Couto Misto, ou Couto Mixto, foi um microestado ou república, independente de facto, do século X ao século XIX, situado entre os então reinos de Portugal e Espanha, na zona raiana entre Trás-os-Montes e a Galiza, no vale do rio Salas.
A origem do Couto Misto não é clara, mas terá tido início no século X. Na baixa idade média era defendido pelo castelo da Piconha, localizado a leste de Tourém. Pelo Tratado de Lisboa, de 1864, este castelo passou para soberania espanhola. O Couto esteve vinculado, por foral das Terras da Piconha, à Casa de Bragança, mas sem ligação à coroa portuguesa nem à espanhola. Desde finais do século XV também houve relações entre o Couto Misto e a Casa de Lemos e Monte-Rei. Eclesiasticamente formava uma única paróquia e estava ligado à diocese de Ourense, tal como Tourém.
A maior parte do território do Couto Misto, hoje em dia sob domínio espanhol na Galiza, era constituído pelos lugares de Santiago de Rubiães e Rubiães dos Mistos (Rubiás dos Mixtos) — ambos na atual paróquia de Rubiás dos Mistos, no concelho de Calvos de Randim — e Miãos (Meaus, ou As Maus) — na paróquia de Tosende, no concelho de Baltar. Também fazia parte do Couto Misto uma pequena faixa desabitada que pertence agora ao concelho português de Montalegre. A capital era em Santiago, onde se reunia a assembleia popular no adro da igreja; na igreja de Santiago estava guardada a arca com todos os documentos do Couto Misto. Rubiás era a maior povoação. Meaus era o principal núcleo económico e comercial. Os habitantes usufruíam ainda do Caminho Privilegiado, uma via neutra que atravessava território concelho de Calvos de Randim, na Galiza, até ao antigo concelho de Tourém, em Portugal.
Igreja de Santiago
O Couto Misto usufruía de grande autonomia, sendo independente de facto, e os seus habitantes gozavam de uma série de privilégios:
  • Podiam prescindir da nacionalidade portuguesa ou espanhola, ou escolher uma delas; sendo considerados como "mistos" ou “cidadãos do Couto”, não estavam obrigados a utilizar documento de identidade português nem espanhol.
  • Não participavam no exército português nem no espanhol.
  • Exerciam o autogoverno democrático, com assembleias populares, elegendo em cada três anos um juiz ou alcaide que desempenhava as funções governativas, administrativas e judiciais, auxiliado pelos homens de acordo e pelos homens-bons eleitos nas três povoações (Santiago, Rubiás e Meaus). Até 1834 o alcaide era ratificado pelo juiz de Montalegre.
  • Não necessitavam de licença de porte de armas, quer dentro do Couto, quer no Caminho Privilegiado.
  • Não pagavam direitos de registo de propriedade nem outras contribuições ou impostos a Portugal ou Espanha.
  • Não podiam ser detidos pelas autoridades portuguesas ou espanholas até uma légua do Couto nem no Caminho Privilegiado.
  • Podiam negar alojamento às forças militares portuguesas ou espanholas.
  • Frequentavam as feiras das povoações limítrofes portuguesas e galegas, fora do Couto, sem pagar direitos nem estar sujeitos a controlo alfandegário.
  • O trânsito de pessoas e mercadorias no Caminho Privilegiado não podia ser perturbado pelas autoridades portuguesas nem espanholas.
  • Podiam cultivar todos os géneros, inclusive os que eram sujeitos a controlo especial em Portugal ou Espanha (como por exemplo tabaco).
  • O Couto Misto permitia o direito de asilo, não sendo possível às autoridades portuguesas ou espanholas perseguir indivíduos no território, a não ser em casos especiais como por exemplo homicídio.
Mapa de Tourém, Randim e Couto Misto
Com a assinatura do Tratado de Lisboa, ou Tratado de Limites, de 1864, que fixou os limites fronteiriços entre os reinos de Portugal e Espanha, as povoações do Couto Misto e a quase totalidade do seu território passaram para a soberania espanhola, pois os negociadores portugueses não conseguiram fazer vingar a sua proposta de repartir o Couto com a fronteira pelo rio Salas. Em contrapartida foram atribuídos a Portugal os chamados Povos Promíscuos, que eram algumas aldeias localizadas sobre a raia, que pertencem agora ao concelho transmontano de Chaves: Soutelinho da Raia, Cambedo e Lama de Arcos (Lamadarcos). Ao contrário dos cidadãos do Couto, os habitantes dos Povos Promíscuos não desfrutavam de prerrogativas especiais.
Os privilégios e a independência de facto do Couto Misto terminaram com a partição luso-espanhola por meio do Tratado de Limites de 1864. Em 1868 deu-se a anexação formal com a entrada em vigor das das disposições do tratado luso-espanhol. Em 1906 os governos português e espanhol reconheceram o uso comum de terras para pastoreio nos dois lados da raia, mas sem alterar os limites da fronteira fixada em 1864.

Excertos do Tratado de Limites, na ortografia original:
«Desde as Pedras de Malrandin se dirigirá a raia em direcção N. pela actual linha de separação entre o Couto Mixto e o termo de Villar, até ao ponto em que a corte um alinhamento recto, tirado do Castello da Piconha ao Pico de Monte Agudo, e d’este ponto de encontro voltando em direcção E., continuará por outro alinhamento recto até ao Porto de Banzellos. Portugal renuncia a favor de Hespanha todos os direitos que possa ter sobre o terreno do Couto Mixto, e sobre os povos n’elle situados, os quaes em virtude da direcção determinada pela linha acima descripta ficam em territorio hespanhol. (…)
O povo promiscuo de Soutelinho pertencerá a Portugal, demarcando-se-lhe, em territorio de Hespanha, uma zona de noventa a cem metros de largo contigua á povoação. (...) Os dois povos promiscuos Cambedo e Lama de Arcos, com seus actuaes termos municipaes ficam pertencendo a Portugal. (…)
Havendo passado integralmente ao dominio e soberania de Portugal, em virtude dos artigos 10.º e 11.º os tres povos promiscuos denominados Soutelinho, Cambedo e Lama de Arcos, e ficando igualmente sob o dominio e soberania de Hespanha, em virtude do artigo 7.º, os tres povos do Couto Mixto, chamados Santa Maria de Rubias, S. Thiago e Meaus, convem ambas as partes contratantes, que tanto os habitantes dos povos promiscuos que sejam realmente subditos hespanhoes, como os habitantes do Couto Mixto que sejam realmente subditos portuguezes, possam, se assim lhes convier, conservar a sua respectiva nacionalidade. Para este fim tanto uns como outros declararão a sua decisão ante as auctoridades locaes no termo de um anno, contado desde o dia em que se ponha em execução o presente tratado.»
Meaus
O interesse histórico e cultural pelo Couto Misto ressurgiu na década de 1990, com atividades da Universidade de Vigo e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, assim como a criação da Associação de Amigos do Couto Misto (Asociación de Amigos do Couto Mixto) e em 2003 a Associação Comunitária do Couto Misto (Asociación de Veciños do Couto Mixto).

A origem do nome do Couto Misto parece estar em “misto”, “misturado”, devido à mistura dos diferentes povos ou às relações mistas com as Casas de Bragança e de Monte-Rei. Contudo, também há quem defenda que o nome tem origem em “místico”.
A palavra couto tem os seguintes significados: terra coutada, defesa, privilegiada; sítio vedado; conjunto de terras ou povoações que pertenciam a um nobre, mosteiro, senhorio, etc; terreno comunal, conjunto de terras que formam um todo; limite, término; refúgio, abrigo ou asilo, em sentido figurado. Do latim cautu, «precaução» ou «acautelado; defendido», particípio passado de cavere, «acautelar».
Fotos: CorreiaPM, domínio público.
Mapa de Tourém, Randim e Couto Misto: http://www.planeamentourbanistico.xunta.es/siotuga/visor.php?hc_location=ufi
http://www.igeoe.pt/downloads/file143_pt.pdf
http://sd1raia.webnode.com.pt/news/tratado-de-lisboa-de-1864/
http://www.coutomixto.org/index.htm
http://elpais.com/diario/2006/07/30/domingo/1154231557_850215.html
http://coutomixto.blogspot.com.es/
http://www.igadi.org/arquivo/te_se03/couto_mixto_unha_republica_esquecida.htm
http://usuaris.tinet.cat/sag/pepe/cotomixt.htm
http://www.crtvg.es/tvg/a-carta/xente-con-xente-nas-fronteiras-do-couto-mixto-castromil-e-goian-03-12-2011
http://www.jornalmapa.pt/2014/06/17/a-aldeia-do-cambedo-e-o-couto-mixto/

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